João Francisco Vilhena: “Vejo Camões nos 300 milhões de falantes da língua portuguesa”

A partir de dez retratos de pessoas de diferentes géneros, classes sociais, etnias e origens, o artista visual e fotógrafo português preparou a exposição “Rosto de Camões”, que é agora exibida no FliParaíba.

A exposição “Rosto de Camões”, de autoria do fotógrafo e artista visual português João Francisco Vilhena, é tão ousada como necessária. Idealizada após um convite feito por José-Manuel Diogo, fundador da Casa da Cidadania da Língua em Coimbra, onde pretendia a exibição de um trabalho que prestasse homenagem aos 500 anos do nascimento de Camões, a exposição teve sua estreia a 10 de junho naquela casa. Também exibida no Museu Municipal de Óbidos, o trabalho “Rosto de Camões”, é agora apresentado em outro formato no Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba).

“Comecei a ver retratos conhecidos de Camões e acabei por escolher o de Fernão Gomes, que é aquele retrato que de alguma maneira mais se aproxima da imagem de Luís Vaz de Camões. A partir deste retrato, que ainda por cima é o do período do Maneirismo, uma contra-revolução ao seguir ao Renascimento, do qual Camões faz parte, comecei a pensar os meus retratos: imaginei logo que teriam que ser dez, sendo cinco mulheres e cinco homens”, relembra Vilhena.

O artista iniciou então a procura pelas dez personagens que iriam ser os rostos de Camões do seu trabalho. De forma a escapar às caras conhecidas, como modelos, atores e atrizes, Vilhena percorreu a vizinhança, os transportes públicos, centros comerciais e demais espaços de Lisboa, atrás das pessoas ideais que poderiam preencher o quebra-cabeça dos retratos. “Foi lindo, todos compraram a ideia do projeto, sujeitaram-se a horas de trabalho”, revela o artista que, entre o “desafio” proposto por José-Manuel Diogo até a estreia da exposição na Casa da Cidadania da Língua, passaram-se quatro meses a idealizar o trabalho.

Para interpretarem Luís Vaz de Camões, as pessoas escolhidas por Vilhena vestiram roupas de época, com a tradicional gola camoniana e os gibões. Acabou por fazer uma parceria com o Teatro São Carlos, em Lisboa, onde encontrou as vestimentas ideais para o trabalho. As fotografias foram inclusive realizadas no sótão do teatro. “Foram feitas num sítio lindo, com uma luz muito suave, só com uma luz de candeeiro para, de alguma maneira, recriar também uma pintura de época”, diz o artista. 

Além da paridade, a obra traz a representatividade, que é uma das bandeiras levantadas pelo Fliparaíba e que dialoga com os próprios ideais do fotógrafo. Nos dez retratos expostos no Centro Cultural de São Francisco, no centro de João Pessoa, onde decorre o Fliparaíba, Vilhena mostra pessoas de diferentes idades, classes sociais, profissões, etnias e origens. A ideia era, através destas personagens, representar dez territórios da língua oficial portuguesa através de Camões.

https://asset.skoiy.com/dncxpgxxypnfpero/4nqe20twexbm.jpg
Artista fez retratos de dez desconhecidos para a exposição.

Questionado sobre se considera uma ousadia representar um dos maiores nome da literatura lusitana com diferentes rostos que formam “um arco-íris”, como o próprio diz, Vilhena afirma que sentiu uma perseguição após o projeto ter as suas primeiras exibições. “A partir do momento em que utilizei figuras de vários territórios de língua oficial portuguesa, como Timor, Guiné e Cabo Verde, fui atacado por diversos blogs da extrema-direita fascista, a dizer que que queria perverter a história de um artista do regime”, relembra.

Para João Francisco, que na exposição dialoga com o mote do Fliparaíba, “Dez ideias para um futuro descolonizado”, a apropriação de Camões enquanto símbolo do Estado Novo traz para a memória comum um poeta e pessoa que o próprio não foi.

“Essas pessoas nunca leram Camões, não percebem quem foi Camões e o que ele escreveu na Índia sobre as mulheres negras, sobre a beleza da mulher africana. Camões era um feminista e um antirracista à época. Um homem revolucionário, que ao mesmo tempo era um pirata, um brigão. Os comentários xenófobos, racistas que surgiram através desta obra irritaram-me muito. E não porque foram comigo, mas sim com eles”, conta João Francisco, ao apontar para uma de suas retratadas.

https://asset.skoiy.com/dncxpgxxypnfpero/o6hq8ro8uwxb.jpg
João Francisco Vilhena fala com o público na exposição “O Rosto de Camões.”

Após a exibição no Fliparaíba, que decorre até amanhã em João Pessoa, a exposição “Rosto de Camões” será exibida no Senado Federal, em Brasília. Em Óbidos, estará em cartaz até o dia 12 de dezembro, enquanto o artista ainda não definiu o local de Lisboa onde estará a exposição. “Ainda estou a pensar qual seria o sítio mais indicado, estou com dúvidas. De momento ainda estou no meio disto tudo”, conta sorridente ao apontar para o claustro onde a exposição é exibida no centro de João Pessoa. Para já, ainda aproveita a passagem pelo Brasil e o contato multicultural que o trabalho lhe proporcionou. 

“A ideia aqui é que todos eles (os retratados), obviamente são Camões. Todos aqueles que eu aqui olho, revejo Camões. Aliás, eu revejo Camões nos 300 milhões de falantes da língua portuguesa. No entanto, é óbvio que não se pode mexer com os mitos, porque para algumas é importante que as coisas não sejam faladas e que se preservem memórias do passado. Mesmo que essas imagens sejam completamente erradas”, finaliza Vilhena.

Leia na íntegra aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima