FliParaíba sintetiza o poder da literatura e a riqueza da língua portuguesa em grande encontro no Brasil

Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba) encerrou na noite deste sábado em João Pessoa. Última mesa teve a participação de José Eduardo Agualusa, José Manuel Diogo e Rui Tavares

Já é madrugada e uma mesa de bar na Praia de Tambaú, em João Pessoa, no nordeste do Brasil,  tem o privilégio de receber a presença de nomes como o moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, o cabo-verdiano José Luiz Tavares, a brasileira Angélica Ferrarez, e outros tantos consagrados autores que participaram do Festival Literário Internacional da Paraíba (FliParaíba). São escritores, poetas, historiadores, artistas e jornalistas de três diferentes continentes. O que os une? A língua portuguesa. 

Na banda sonora, os participantes do festival transformam-se em dj’s, transitando entre o samba, o afro-fado e a morna que é pano de fundo para uma conversa que é extensão das mesas de debate do festival. Os diálogos de ideias em qualquer espaço do Fliparaíba tem potencial para serem intermináveis e, ali na praia do Tambaú, o sol que nasce cedo na cidade mais oriental das Américas já pensa em juntar-se à prosa. 

“Depois de participar de um festival literário, você nunca mais vai querer fazer outra coisa da vida”, afirmou José-Manuel Diogo, o representante lusitano sentado naquela mesa e diretor desta primeira edição do Fliparaíba, que chegou ao fim na noite deste sábado (30).

Ao longo dos últimos três dias, o evento proporcionou ao público, participantes, organizadores e imprensa a possibilidade de refletir não só sobre a vida e a obra de Camões, tema do festival, como também todos os debates a que se propôs apresentar – especialmente desmistificar conceitos através da literatura. 

“É um festival que aborda temas fundamentais, atuais e que merecem ser debatidos. Claro que essa é a primeira edição, talvez o tempo tenha sido curto pela riqueza de temas que foram discutidos nestes três dias. Sei que, para o futuro, a ideia da organização é que tenhamos mais dias”, declarou o poeta cabo-verdiano radicado em Lisboa José Luiz Tavares

Admirado com o espaço do festival, com a capela virada para o rio Paraíba, Tavares também destacou a exposição o “Rosto de Camões”, de autoria do português João Francisco Vilhena. “Foi um exercício importante, apanhar as diferentes tonalidades para representar o rosto de Camões. Mostra a diversidade da cultura da língua portuguesa nas diferentes partes do mundo, foi muito bem conseguida”, pontuou.

O poeta ainda apontou a necessidade das pautas que tiveram lugar no Fliparaíba também serem levadas para feiras literárias em Portugal, Angola, Moçambique e outros países da CPLP. “Este festival propõe-se fazer uma outra coisa, que é a itinerância, ir aos outros países, ir às outras capitais, aos outros continentes. Queria vê-lo no em outros lugares”, diz o poeta.

Para Tom Farias, curador da edição inaugural do evento, o que decorreu no Centro Cultural de São Francisco, sede do evento nos últimos dias, foi um encontro. Farias destacou a pluralidade dos participantes do Fliparaíba e a harmonia entre todos que passaram pela feira entre a última quinta-feira e este sábado.

“Essa vai ser a grande deixa deste festival. A cidadania da língua é importante, mas no corpo da cidadania da língua está a democracia da língua. A democracia entre povos, entre as pessoas e entre os participantes que estiveram aqui: pessoas de todas as idades, de uma diversidade cultural, étnica, religiosa e que conseguem habitar no mesmo espaço sem se conflitar. O que tivemos aqui foi um encontro, um bate-papo, e acho que pode ser considerado um sucesso tendo em vista o envolvimento do público e autores”, pontuou.

Neste sábado, assim como nos outros dias do evento, a programação do Fliparaíba começou às 10h. Com mesas que abordaram questões como territorialidade, resiliência, identidade, descolonização e o debate entre os muitos “Brasis”, na conversa, o evento teve o seu dia mais cheio desta edição inaugural. 

No último momento de debate do evento, um dos momentos mais aguardados do festival: Rui Tavares, que chegara à João Pessoa na noite de sexta-feira, juntou-se à José Eduardo Agualusa e José Manuel Diogo na conversa “Harmonia e Sustentabilidade – Territórios da palavra, nossas histórias e identidades”, que teve casa cheia na capela.

Os três participantes contaram com a feroz concorrência da passagem de som do artista Chico Cesar, que faz o show de encerramento do festival nesta noite, além dos petardos lançados por adeptos de Botafogo e Atlético Mineiro, que disputavam a final da Libertadores no mesmo horário. Era tudo “Agora, agora e mais agora”, tal e qual o título da última obra lançada por Rui Tavares no Brasil. 

A presença de Tavares, aliás, foi um dos motivos de Agualusa também ter participado do festival, “além do mar e da culinária de João Pessoa”. “Gosto muito de estar com o Rui (…) quando pensarem que todos os políticos são maus – embora custe-me chamar o Rui de político – lembrem-se dele. É um político bom, respeitado por toda a gente da esquerda civilizada e da direita civilizada”, começou por dizer Agualusa. 

Em cerca de uma hora, o trio debateu sobre o passado, o presente e o futuro da língua portuguesa, a qual, como defende Rui Tavares, é uma “língua composta por todas suas diversidades”. Ambos criticaram a maneira como políticos europeus tentam manter uma hegemonia da “riqueza europeia” ao tentar fechar as portas para a diversidade, o novo e as mudanças adentrarem no tradicional: “O futuro da língua não é algo que me deixa com medo”, pontuou Tavares.

Antes deste último debate da edição inaugural do Fliparaíba, José-Manuel Diogo, um dos homens do leme da feira que já entrou para a história de João Pessoa também se pronunciou ao público acerca do evento. “Este lugar representa hoje o princípio deste novo conhecimento, o novo mundo, onde o sul e o norte talvez possam sentar-se à mesma mesa em pé de igualdade. Se isso for feito pela língua portuguesa, talvez a gente crie até um eixo geopolítico que possa fazer história e contrabalançar esse mundo maluco”, assinalou.

Antes das cerimónias festivas de encerramento do festival, a cabo-verdiana Vera Duarte Pina ainda leu o manifesto preparado pelos autores que participaram do festival. O documento formulado pelos autores respondeu ao mote do festival: “Dez ideias para um futuro descolonizado”.

Iniciativa que trouxe “não apenas palavras, mas também caminhos”, como é apresentado no próprio manifesto, o FliParaíba, em sua edição inaugural, proporcionou um encontro singular e que mostra que é com o debate amplo, a leitura, o conhecimento e a escuta que se trilhará o futuro da língua e da cultura dos países da CPLP. Se depender do Diário de Notícias, parceiro de media da feira, é um festival que veio para ficar, um encontro da importância que pode ser percebida nas palavras da escritora Trudruá Dorrico, ao fazer uma adaptação de um de seus poemas. 

“Estamos todos reunidos numa igreja colonial e falamos coisas banais e sorrimos e sonhamos com livros, filmes e nossas danças. Se esse não é o futuro e o passado, então não sei o que pode ser mais completo, mais sagrado e mais presente. Esse é um tempo para chamar de nosso e tudo que vivemos juntos são rastros que nenhuma colonização pode apagar”, declarou.

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