Segundo dia da Feira Literária Internacional da Paraíba teve cinco mesas ao longo do dia e contou com a presença de autores de Angola, Brasil e Moçambique
Se o primeiro dia da Feira Literária Internacional da Paraíba terminou com música, a abertura do segundo dia do evento não foi diferente. Ao contrário de quinta-feira, no entanto, quando a Orquestra Sinfónica da Paraíba interpretou clássicos de autores como Mozart, Edvard Grieg e Tchaikovsky, o espetáculo que abriu a programação desta sexta-feira teve um tom muito mais próximo da localização do evento.

Uma orquestra formada por crianças e adolescentes da cidade de João Pessoa apresentou temas de artistas como Zé Ramalho e Gilberto Gil, símbolos da música nordestina. A harmonia dialogava com a paisagem composta por uma imensidão de verde e o Rio Paraíba, pontos admirados pelo público numa vista privilegiada através das janelas da capela do Centro Cultural de São Francisco, local onde decorreram os primeiros debates do festival.
A música, aliás, assim como outros formatos culturais, foi centro de parte da discussão entre autores que intervieram no evento. Após uma primeira mesa às 10:00, que teve a presença dos brasileiros Alexei Bueno e Milton Marques Júnior com o tema “Camões, o Estrangeiro”, no qual debateram a vida e obra de Luís Vaz de Camões, o dia teve como tema central a necessidade de ampliar diálogos culturais entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“Eu penso que é importante que o Brasil redescubra a África na vitalidade da sua cultura contemporânea, não apenas da literatura, mas das artes plásticas, do cinema, da música. Para mim, destes, o mais estranho é a música africana, que tem uma energia imensa, que tem uma vitalidade enorme e que tem presença hoje em todo o mundo. (…) É sempre estranho para mim que a música africana ainda não tenha essa presença no Brasil”, pontuou o escritor angolano José Eduardo Agualusa, um dos participantes da mesa “Soberania e Autodeterminação – A literatura na construção da nova cidadania”, na qual esteve presente ao lado das brasileiras Valéria Lourenço e Ezilda Melo.
Antes da mesa que teve a intervenção de Agualusa e que contou com a presença em peso do público local, teve lugar o debate “Pluralidade e Diversidade – Educação como pilar do futuro descolonizado”. Protagonizado pelas brasileiras Neide Medeiros e Maria Valéria Rezende e a cabo-verdiana Vera Duarte Pina, a mesa já havia colocado os dois pés na discussão acerca da integração entre as culturas dos países representados no evento.
Para Vera Duarte, que estudou Direito em Lisboa e costuma estar numa ponte aérea constante com Portugal, a forma de começar essa integração tem que começar cedo. O caminho? Especialmente a literatura, através de um programa educacional homogéneo entre os países membros do bloco.
“Eu defendo que a melhor forma de aprofundar o relacionamento entre os nossos povos é através da literatura. Em Portugal, por exemplo, há uma imigração muito grande dos diferentes países da CPLP. E é quando você lê um autor cabo-verdiano que você entende qual é o cotidiano, qual é a cultura, qual é a idiossincrasia, quais são as aspirações, quais são as conquistas do povo. Defendo que todos os nossos currículos escolares deveriam começar pelos sete países que formam a CPLP, com uma disciplina de literatura que seria mais ou menos a mesma para todos os países. Acrescido que assim poderíamos formar uma ponte cultural que pudesse funcionar efetivamente entre os nossos sete países”, declarou a autora.
O primeiro dia de debates do festival teve ainda mais duas mesas na parte da tarde. O trio de brasileiros Ademilson José, Angelica Ferrarez e Rodrigo Faria e Silva foram os convidados do debate acerca das “Culturas da diáspora e suas conexões”. Posteriormente, o moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa juntou-se aos também brasileiros Analice Pereira e Rita Chaves para finalizar o primeiro dia de festival.
No debate sobre as culturas da diáspora, a carioca Angélica Ferrarez alertou para a necessidade de contar a “história que a história não conta”, fazendo menção ao samba-enredo “História para ninar gente grande”, tema da Mangueira, histórica escola de samba do Rio de Janeiro no Carnaval de 2019. A título de curiosidade, coincidência ou prova de relevância, foi justamente este samba que o Coletivo Gira – grupo de sambistas brasileiras em Lisboa – escolheu para interpretar num vídeo-manifesto gravado nos Padrões dos Descobrimentos, em Belém, no mês de julho.
Segundo Angelica, eventos como a Fliparaíba, que é dirigida pelo português José-Manuel Diogo e conta com a presença de outros lusitanos como João Francisco Vilhena e Rui Tavares, além de autores residentes em Portugal como o poeta José Luiz Tavares, tem a capacidade de amplificar um debate, que, por diferentes motivos, é esquecido ou deixado de lado.
“Acho que nós não temos inimigos. Se queremos uma sociedade anti racista, nós queremos que também o branco, o colonizador, seja anti racista como nós. Queremos eles tomando parte disso, se responsabilizando seja através da reparação, seja na chave do reconhecimento, seja na chave da incidência de políticas públicas, por exemplo”, declarou Angelica, destacando a importância da feira ser organizada por um português e ter a representatividade como um dos motes.
Para a autora, outra maneira de potencializar a discussão é justamente o movimento que tanto tem vindo a crescer em Portugal nos últimos anos. “Aumentar o intercâmbio entre estudantes brasileiros que fazem pesquisas, que fazem residências artísticas em Portugal, com foco na história do colonialismo e na cultura popular. Acho que estreitar as relações entre Brasil, Portugal e os países africanos, é algo que só tem a acrescentar a todos os países. E digo não só de Portugal, mas também do Brasil, que muitas vezes se fecha à cultura africana, por exemplo”.
Até o momento um evento que mobiliza o centro da cidade de João Pessoa, a Fliparaíba vai para o seu último dia desta edição de estreia amanhã. A programação se inicia às 10:00 com a mesa “Superação e resiliência – celebração em literatura: renovação, resiliência e territorialidade”, com Tom Farias, Bruno Ribeiro – que recentemente foi um dos autores brasileiros a participar de uma residência artística em Lisboa – e Bianca Santana. Na parte da tarde, José-Manuel Diogo, José Luiz Tavares, João Francisco Vilhena, Trudruá Dorrico e Rui Tavares serão alguns dos nomes que participarão de debates.
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